terça-feira, 18 de março de 2014

A peça Ricardo III e os elementos políticos (pós) modernos
José Renato Ferraz da Silveira

A peça Ricardo III, escrita entre 1592 e 1593, por William Shakespeare trata de uma rica, intricada e complexa rede de temas pertinentes à Teoria política: intrigas; conspirações; comportamentos políticos; conflitos de poder; diálogos embebidos de retórica, persuasão e convencimento político; discursos de guerra; coalizões; violência; astúcia; dissimulação; incertezas; a inevitabilidade do Acaso; as qualidades, virtudes (virtú) e os vícios do príncipe; a potência do agir; audácia; a configuração da tragédia política moderna. A peça tem no seu conteúdo dramático as formas nas quais se revelam as práticas coletivas dos meandros do poder e das ações sociais. Um jogo posto em cena a fim de mostrar os jogos da sociedade que a fazem e desfazem.

Ricardo III é uma peça, que faz parte dos Dramas Históricos - ao todo são nove - constituí-se como a tetralogia da Guerra das Duas Rosas, gozando de popularidade pelo seu vigor e temática envolvente. A frase "Meu reino por um cavalo" se popularizou ao redor do mundo. Esta é uma das célebres frases das peças de Shakespeare. E foi proferida por Ricardo III, personagem da peça que leva seu próprio nome.

O dramaturgo inglês acaba por conceber uma visão política ao teatro. Antes dele, a ação dramática tinha como tema central o relacionamento dos homens com o divino (principalmente os gregos) e, num segundo plano, com a sociedade e com o Estado. Ele inverte o tema de secundário para central.

A dimensão trágica da/na política está presente na maioria das peças de Shakespeare, nas quais o bardo, chamado de "Cisne de Avon" por Victor Hugo, expressa as tensões e os paradoxos que atravessam a esfera do poder político; o potencial com que a Política pode contribuir ou impedir a melhoria da condição humana. "O político não desaparece, ele muda de forma; ele não desaparece porque ele é indissociável do trágico sempre presente, em todos os momentos e em todas as sociedades" (Balandier, 1999: 148).

A essência da tragédia na política está na tensão entre suficiência e insuficiência para permitir um futuro esperançoso. A fonte principal da tragédia shakespeariana foi precisamente à ênfase na queda de homens famosos. Uma das novidades da nova perspectiva de compreensão da política é, portanto, o reconhecimento da permanência do conflito. Não se trata mais de sonhar com sociedades estáticas nas quais se realizaria de uma vez por todas o ideal de estabilidade ao se alcançar à realização do bem comum. O que está se configurando na modernidade é um novo conceito de ordem, não mais uma ordem estática estabelecida a partir de hierarquia prefixada, mas a ordem mundana das relações sociais, ordem construída pelo homem. Mais ainda, essa ordem racional deve ser projeto do Estado.

Caracterizar, portanto, a política moderna é entendê-la como jogo de forças opostas resultantes dos inconciliáveis desejos humanos. A política, como atividade tipicamente humana, é marcada a partir da modernidade, tanto nas peças de Shakespeare, como nos escritos de Maquiavel, como a inevitabilidade do conflito. Tal "choque de interesses" é inerente ao jogo político e evidencia o caráter trágico ao revelar as contradições e os paradoxos deste.

A política, em Shakespeare, nos mostra as (des) ordenadas crises (ciclos de poder - alternância de enfraquecimento e fortalecimento da autoridade) em que o grupo de indivíduos se depara e a busca de soluções por parte destes homens que atuam no círculo (reino) da política.

Shakespeare amplia e realiza uma leitura de política se remontando a um período específico, ao criar artisticamente (peças teatrais), num contexto histórico marcado por profundas mudanças, em que o novo ainda não havia surgido e o velho ainda não havia morrido, nesse sentido, num processo de instauração da modernidade.

Ricardo III é uma peça carregada de signos, significados, valores pertencentes ao Renascimento, período histórico que rompe com o mundo medieval - sociedade agrária, estamental, teocrática e fundiária - mas que contém em seus desdobramentos, elementos políticos fundamentais (como os citados no princípio deste artigo e em negrito) e ainda mais, tão contemporâneos, a ponto de termos (possíveis) parâmetros de análise para entender os impasses e as rupturas do pensamento político atual. Apesar das ambigüidades e incertezas (a auto-eternizante incerteza) da vida pós-moderna, Shakespeare produziu uma peça histórica renascentista, mas que segundo Ben Jonson pertence a todas as épocas, representando de modo peculiar o imanente significado real da política.


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