terça-feira, 27 de março de 2012

Existencialismo – A realização completa da vida humana

O termo existencialismo designa o conjunto de tendências filosóficas que, embora divergentes em vários aspectos, têm na existência humana o ponto de partida e o objeto fundamental de reflexões. Por isso, podemos designá-las mais propriamente filosofias da existência, no plural.
Se refletirmos sobre o que é existir, veremos que existir implica a relação do homem consigo mesmo, com outros seres humanos, com as coisas e com a natureza. São relações múltiplas, concretas e dinâmicas. E também relações determinadas e indeterminadas.
Nas diversas definições elaboradas pelos filósofos existencialistas sobre esses temas, encontramos algumas concepções básicas, cujo traço comum é a visão dramática do destino do homem.
Vejamos alguns traços que caracterizam o existencialismo:
- O ser humano é representado como uma realidade imperfeita, aberta e inacabada, que foi “lançada” ao mundo e vive sob riscos e ameaças.
- A liberdade humana não é plena, mas condicionada às circunstâncias históricas da existência. Nesse sentido, o querer não se identifica ao poder. O homem age no mundo superando ou não os obstáculos que se lhe apresentam.
- A vida humana não é um caminho linear em direção ao progresso, ao êxito e ao crescimento. Ao contrário, é marcada por situações de sofrimento, como a doença, a dor, as injustiças, a luta pela sobrevivência, o fracasso, a velhice e a morte. Assim, não podemos ignorar o sofrimento humano, a angústia interior, a exploração social. É preciso considerar esses aspectos adversos da vida e encará-los de frente.
Filósofos inspiradores do Existencialismo

As filosofias da existência propriamente ditas surgiram no século XX, mas sofreram grande influência do pensamento de alguns filósofos do período anterior. Entre eles destacam-se Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche e Husserl.

Nietzsche

Friedrich Nietzsche (1844-1900) nasceu em Rocken, uma localidade da Alemanha atual. Filho de um culto pastor protestante, possuía um gênio brilhante, tendo estudado grego, latim, teologia e filosofia. Em 1869, tornou-se professor titular de Filosofia na Basiléia. A partir da leitura de O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, sentiu-se profundamente atraído pelas reflexões filosóficas.
Em sua obra, Nietzsche critica a tradição filosófica ocidental a partir de Sócrates, a quem acusa de ter negado a intuição criadora da filosofia anterior, pré-socrática. Nessa análise, estabelece a distinção entre dois princípios: o apolíneo e o dionisíaco – a partir, respectivamente, de Apolo (deus da razão, da clareza, da ordem) e Dionísio (deus da aventura, da música, da fantasia, da desordem). Para Nietzsche, esses dois princípios ou dimensões complementares da realidade, o apolíneo e o dionisíaco, foram separados na Grécia Socrática, que, optando pelo culto à razão, secou a seiva criadora da filosofia, contida na dimensão dionisíaca.
Posteriormente, Nietzsche desenvolveu uma crítica intensa dos valores morais, propondo uma nova abordagem: a genealogia da moral, isto é, o estudo da origem e da história dos valores morais. A conclusão de Nietzsche foi a de que não existem noções absolutas de bem e mal. Para ele, as concepções morais surgem com os homens, a partir das necessidades dos homens. Ou seja, são produtos da história humana. Os homens são os verdadeiros criadores dos valores morais, sobretudo as religiões, como o judaísmo e o cristianismo para a civilização ocidental, que impõem muitos desses valores humanos como se fossem produto da “vontade de Deus”.
Assim, se compreendermos que os valores presentes em nossa vida são construções humanas, estamos no dever de refletir sobre nossas concepções morais e enfrentar o desafio de viver por nossa própria conta e risco.
Segundo a análise de Nietzsche, no momento em que o cristianismo deixou de ser a “única verdade” para se tornar uma das interpretações possíveis do mundo, toda a civilização ocidental e seus valores absolutos também foram postos em xeque. O próprio Nietzsche disse: “Quem vos fala é o primeiro niilista perfeito da Europa”.
Ser niilista significa não crer em nenhuma verdade moral ou hierarquia de valores pré-estabelecidos. O niilismo de Nietzsche baseava-se na afirmação da “morte de Deus”, isto é, na rejeição à crença de um ser absoluto, transcendental, capaz de traçar “o caminho, a verdade e a vida” para o ser humano.
Apesar desse niilismo em relação aos valores consagrados da civilização, Nietzsche defendia outros valores, afirmativos da vida, capazes de expandir as energias latentes em nós. “Ouse conquistar a si mesmo” talvez seja o grande conselho nietzschiano “àqueles que buscam viver a “liberdade da razão”, sem conformismo, resignação ou submissão.

Husserl

Nasceu a 8 de abril de 1859, na cidade de Preossnitz, situada na Moravia, região que pertencia ao Império Austro-Húngaro. Estudou Matemática e entrou para a Filosofia influenciado pelo filósofo Franz Brentano (1838-1917). Morreu em 1938, aos 79 anos de idade, proibido de Lecionar e perseguido pelos nazistas devido a sua origem judaica. Husserl formulou um método de investigação filosófica conhecida como fenomenologia.
A fenomenologia consiste basicamente na observação e descrição rigorosa do fenômeno, isto é, daquilo que se manifesta, aparece ou se oferece aos sentidos ou à consciência. Dessa maneira, busca-se analisar como se forma, para nós, o campo de nossa experiência. O sujeito deve, portanto, orientar-se por ele.
Conforme analisou o filósofo existencialista francês Merleau-Ponty, Husserl tentou a “reabilitação ontológica do sensível”. Isso significou, na história da filosofia, uma volta às próprias coisas, das quais o sujeito tinha se afastado.

Heidegger

Nascido em Messkirch, na região de Baden, Alemanha, Martin Heidegger (1889-1976) desenvolveu sua formação filosófica na Universidade de Freiburg, onde foi discípulo de Edmund Husserl.
Em sua carreira universitária e filosófica, podemos destacar as seguintes etapas: doutorou-se em Filosofia no ano de 1914; assumiu uma das cátedras de Filosofia na Universidade de Masburg em 1923; publicou, em 1927, uma de sua mais importantes obras, Ser e tempo, em 1929, sucedeu na Universidade de Freiburg a seu antigo mestre Husserl.
Em 1933, ano em que Adolf Hitler se tornou chanceler da Alemanha, Martin Heidegger foi nomeado reitor da Universidade de Freiburg, aderindo formalmente ao Partido Nazista. No discurso que proferiu como reitor, Heidegger anunciou, efusivamente, suas esperanças no nazismo, julgando-o capaz de promover a redenção do povo germânico. Para manter-se coerente com o nazismo, afastou-se do seu antigo amigo Husserl, que era judeu.
Não muito tempo depois, talvez por tomar consciência das crescentes atrocidades praticadas pelos nazistas, Heidegger demitiu-se da reitoria da Universidade de Freiburg. Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, buscou o isolamento em sua casa nas montanhas da Floresta Negra. Até sua morte, manteve raros contatos sociais, relacionando-se apenas com reduzido grupo de amigos.

O despertar pela angústia

Um dos objetivos básicos da obra de Heidegger Ser e tempo é investigar o sentido do ser. Para efetuar tal tarefa, começou pela investigação do ser que nós próprios somos. Criando uma terminologia própria, Heidegger denominou o modo de ser do homem, nossa existência, com a palavra Dasein, cujo sentido é ser-aí, estar-aí.
Analisando a vida humana, o filósofo descreveu três etapas básicas que marcam a existência e que, para maioria dos homens, culminam numa existência inautêntica:
• O fato da existência – o homem é “lançado” ao mundo, sem saber por quê. Ao despertar para a consciência da vida, já está aí, sem ter pedido.
• O desenvolvimento da existência – o ser humano estabelece relações com o mundo. Para existir, o homem projeta sua vida e procura agir no campo de suas possibilidades. Assim, move uma busca permanente para realizar aquilo que ainda não é. Em outras palavras, existir é construir um projeto.
• A destruição do eu – tentando realizar seu projeto, o homem sofre a interferência de uma série de fatores adversos que o desviam de seu caminho existencial. Trata-se do confronto do eu com os outros. Um confronto no qual o homem comum é, geralmente derrotado. O seu eu é destruído, arruinado, dissolve-se na massa humana. Em vez de tornar-se si mesmo, o homem torna-se aquilo que os outros desejam. O sentimento profundo que faz o homem despertar da existência inautêntica é a angústia, pois ela revela a nossa impessoalidade no cotidiano, o abandono do nosso próprio eu diante da opressão do mundo como um todo.

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