segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ao longo dos anos noventa, a criatividade política brasileira e sua expressão diplomática exerceram papel importante na definição de novos parâmetros conceituais na questão dos direitos humanos, que foram paulatinamente consagrados nas grandes conferências internacionais sobre temas sociais com reflexos positivos no cenário internacional.
Considerando o trecho acima:
a) Discorra sobre o conceito de “direitos humanos” consagrado pelo Estado brasileiro no início dos anos noventa.
b) Responda à seguinte questão – De que forma a preocupação com os direitos humanos condicionou, no período em questão, a ação externa do Estado brasileiro?

MARCOS RODRIGUES SAVINI (20/20)

O ativo papel desempenhado pelo Brasil no plano internacional, ao longo dos anos 90, no que concerne a redefinição dos parâmetros conceituais dos direitos humanos, fundamentou-se na reflexão desse tema no plano interno. O processo de redemocratização do país na década anterior consagraria a observância dos direitos humanos como princípio constitucional a ser observado em suas relações internacionais. A própria Constituição, além de elencar uma série de direitos fundamentais com força de cláusula pétrea, previu a possibilidade de o Brasil vir a incorporar, em seu ordenamento jurídico, outros direitos presentes em tratados internacionais que o país porventura ratifique – o que está expresso no parágrafo segundo do artigo 5° do texto Constitucional.
A Constituição de 1988 representou uma inflexão ao período anterior na questão dos direitos humanos no plano internacional. De fato, nas décadas anteriores, em especial durante o regime militar instalado entre 1964 e 1985, a posição brasileira era a da prevalência da soberania nacional sobre os direitos humanos, rejeitando-se a ingerência externa no que se considerava assunto interno. Nos anos 90, o Brasil não apenas viria a aderir aos principais instrumentos de proteção dos direitos humanos nos planos internacional e regional, como assumiria um certo protagonismo em relação ao tema. Isso ocorreu, em especial, na conferência de Viena sobre Direitos Humanos (1993), mas também na elaboração do Estatuto de Roma sobre a criação de um Tribunal Penal Internacional (TPI) que viria a entrar em vigor em 2002.
Na Conferência de Viena foram consagrados os princípios da universalidade, da unidade e da indivisibilidade dos direitos humanos no plano internacional. Neles encontrava-se refletida a posição brasileira sobre o tema. A partir de então, passou-se a considerar legítima a preocupação da comunidade internacional em relação às violações aos direitos humanos por parte dos Estados, relativizando-se a “sacralidade” da soberania nacional. Os governos não mais poderiam alegar peculiaridades culturais ou políticas para descumprir a observância dos direitos fundamentais da pessoa humana (princípio da universalidade), nem se deveria privilegiar qualquer tipo de direito (político, social, econômico, cultural, ambiental) em relação aos demais (princípios de unidade e indivisibilidade dos direitos humanos).
Ao longo dos anos 90, o Brasil tratou de inserir nos ordenamentos de âmbito internacional e regional de proteção aos direitos humanos. Em 1992, assinou os Pactos das Nações Unidas de direitos civis e políticos e de direitos sociais e econômicos. Passaria a receber os relatores especiais da Comissão de Direitos Humanos da ONU em relação a temas específicos – sistema carcecário, políticas de combate à fome, execuções sumárias. No plano interno, essas preocupações passariam a se concentrar na Secretaria Nacional de Direitos Humanos, encarregado de formular e executar a política brasileira para o setor. A ratificação do estatuto de Roma de criação da TPI em 2002, expressa também esse comprometimento do Estado brasileiro com a proteção dos direitos da pessoa humana.
No plano regional, a adesão do Brasil ao final da década de 90, à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada na Costa Rica, fez com que um jurista brasileiro, o professor Antonio Cançado Trindade viesse a presidir aquele órgão do sistema americano de proteção aos direitos humanos. Durante sua gestão, ainda em curso, o Brasil foi pela primeira vez objeto de medidas provisórias para garantir a inviolabilidade dos direitos humanos (caso do presídio de Urso Branco) – mais um sinal da irreversibilidade da prevalência desses sobre a anterior rigidez, por parte do Estado brasileiro, quanto à sua concepção de soberania nacional.

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