terça-feira, 6 de setembro de 2011

Folha – De que maneira duradoura os atentados de 11 de setembro mudaram a forma como os EUA vêem o mundo?
MADELEINE ALBRIGHT – O 11 de setembro foi um dos acontecimentos mais significativos para o povo americano. Eu nasci na Europa, na escalada para a Segunda Guerra Mundial (Albright nasceu na então Tchecoslováquia, em 1937, mas é cidadã americana). Eu sei o que é se sentir vulnerável. A maioria dos americanos nunca havia se sentido vulnerável, foi um choque enorme. O efeito desse choque é muito duradouro, e é importante que os americanos não fiquem dominados pelo “fator medo”.

Existe uma discussão entre analistas sobre a suposta decadência dos EUA no cenário global e o fato desse declínio ser inevitável.
Eu não concordo com essa discussão. Eu vejo o mundo de forma muito diferente. Vejo muitos países ganhando poder no mundo, mas isso é bom. E isso ocorre porque as grandes questões de hoje – proliferação nuclear, terrorismo, pobreza, energia, ambiente, crise financeira – exigem a participação de vários para resolvê-las, não podem ser abordadas apenas por uma potência. Isso não é um sinal do declínio dos EUA. Nós achamos que isso é bom, celebramos a ascensão do Brasil, o fato de existir outro país com o qual podemos compartilhar responsabilidades.

Na discussão para elevar o teto do endividamento, haverá redução do déficit que atinge em cheio o Pentágono. Mas acredita-se que muitos cortes virão do Departamento de Estado também. Com redução em ajuda internacional e número de diplomatas, a senhora acha que o chamado “smart power” dos EUA pode ser afetado?
Essa é uma grande preocupação. Como cidadã americana e ex-secretária de Estado, estou muito preocupada com o que está ocorrendo com o orçamento. Uma democracia vibrante como os EUA tem responsabilidades globais. É dever do nosso governo ajudar no progresso social de outros países e por isso fico tão perturbada com o corte no Departamento de Estado. Os EUA não podem fugir de seu papel global. E por isso estamos procurando parceiros, como o Brasil.

A senhora acha que haverá grandes mudanças na política de defesa dos EUA?
Os Estados Unidos estão passando por duas guerras. Mas o presidente Obama está acelerando a retirada do Iraque e Afeganistão, com compromissos e calendários. Então, obviamente, teremos um Pentágono muito diferente, em um país que não está envolvido em duas guerras simultaneamente. De qualquer maneira, o que mudou desde o 11 de setembro é que há uma cooperação muito maior entre as agências de inteligência e um reconhecimento do fato de que o departamento de Estado precisa desempenhar um papel muito maior, baseando-se na experiência que tivemos nos últimos anos. Ficou claro que é essencial um grande número de diplomatas, civis, nesses países em conflitos, para melhorar as condições políticas e econômicas, e ter esse pessoal envolvido em reconstrução. Também é importante ressaltar o papel crescente das aeronaves não tripuladas (drones), que foram muito eficientes nas missões para desmantelar a Al Qaeda.

No novo cenário global, onde se encaixa o Brasil?
A visita do presidente Obama ao país demonstra que, para os Eua, o relacionamento com o Brasil é muito importante. Os BRICS são um agrupamento meio peculiar, mas, dentre os países BRICS, o Brasil é único porque é uma democracia forte, com a qual nós queremos trabalhar. O presidente Obama está muito animado com a vinda da presidente Dilma Rousseff aos EUA – ela será a primeira mulher a abrir a Assembléia Geral da ONU. Eu estou muito animada com a minha ida ao Brasil, em outubro. Fui várias vezes ao Brasil, quando era secretária de Estado, mas faz 11 anos que não vou ao país. Servi nas Nações Unidas ao lado do atual Ministro da Defesa, Celso Amorim.

Analistas decretam que missões de ajuda humanitária e reconstrução, como as que os EUA fizeram na Somália, no Haiti, em Kosovo e no Afeganistão, estão condenadas a desaparecer.
Há uma infinidade de jeitos de ajudar outros países a terem uma infraestrutura e se tornarem sociedades funcionais. Mas nós vamos fazer isso sozinhos – também brasileiros vão se beneficiar muito se não formos mais cercados por Estados falidos. Nossos países, que sabem como liderar democracias funcionais, precisam trabalhar juntos para ajudar outros países.

Então vocês estariam dividindo com outros países a responsabilidade nas intervenções humanitárias?
Sim, lidero uma força-tarefa sobre “ a responsabilidade de proteger” e o que a comunidade internacional deve a cada país. Os EUA, como o Brasil, estarão em uma situação muito melhor se houver estabilidade no mundo, sem Estados falidos, então precisamos achar métodos de colaborar para que não tenhamos Estados falidos.

O que muda com a morte de OSAMA BIN LADEN? Os EUA terão mais tempo para se focar em aspectos que haviam sido pouco negligenciados, como a ascensão da China?
A morte de Bin Laden decapitou a Al Qaeda, que não conseguiu reconstituir completamente sua liderança. Claramente ainda há células da Al Qaeda em vários lugares, então não podemos falar em derrota do terrorismo. E, em relação a negligenciar outros aspectos, eu discordo – uma das características dos EUA é que nós conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo. Temos observado a China, temos pontos muitos positivos na relação, e outros que deixam alguns nervosos, como as intenções do país no mar do sul da China e em relação a Taiwan.

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