segunda-feira, 18 de julho de 2011

POLÍTICA EXTERNA — VOL 4 — N.º 4 — MARÇO — 1996
Mercosul — União Européia: rumo à associação inter-regional
Jorio Dauster
Jorio Dauster é embaixador, chefe da Missão do Brasil junto a comunidades européias.

The relationship between MERCOSUL and the European Union has entered a new stage with the signing of the Interegional Framework Agreement and the Joint Political Declaration in December 1995. The basic goals of these two documents are to strengthen bilateral relations and to create adequate conditions for an interegional association of a political and economic nature. Bilateral talks began in 1991 and an agreed text was adopted for years later. While the interegional association is a long-term goal, the two regions are aiming towards a partnership based on their historical ties and cultural identities as well as on the mutual interest of their respective members.

O relacionamento entre o MERCOSUL e a União Européia ingressou em uma nova etapa quando, em dezembro de 1995, foram assinados o Acordo-Quadro Interegional de Cooperação e a Declaração Política Conjunta, instrumentos de grande amplitude que passarão a constituir o arcabouço para o desenvolvimento dos vínculos entre as duas regiões. Esses textos não representam uma construção no vazio, mas, pelo contrário, fundamentam-se na grande identidade cultural e no profundo interesse mútuo que ligam Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai aos quinze Estados-membros da União Européia.
Além disso, o Acordo-Quadro e a Declaração Conjunta culminam um intenso e profícuo trabalho de aproximação que já dura alguns anos e que, a partir da assinatura desses atos, sem dúvida, ver-se-á acelerado. Assim, o presente artigo tem por objetivo apontar brevemente alguns aspectos básicos da relação entre os dois grupamentos e recapitular a evolução dos contatos bilaterais desde 1991, para, a seguir, examinar o conteúdo do Acordo-Quadro e da Declaração Política, situando-se no contexto das estratégias comerciais de ambas as regiões.
Uma parceria natural
As nações que compõem o MERCOSUL e a União Européia compartilham um riquíssimo patrimônio cultural e histórico. O intercâmbio econômico, as correntes migratórias e — o que é mais importante — os fluxos de idéias através do Atlântico criaram laços dinâmicos e complexos, cujos efeitos se estendem muito além do domínio meramente político. De fato, as relações dos Quatro com a Europa, mais do que com qualquer outra área do mundo, fizeram-se tanto entre governos quanto entre povos, sendo seu principal cimento a grande identidade de valores civilizacionais onde se ancoram os princípios da liberdade, da democracia e da dignidade da pessoa humana. É nessa perspectiva, aliás, que se deve compreender o Artigo 1.º do Acordo-Quadro, no qual se estabelece que o respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos constitui elemento essencial daquele instrumento.
Levando na devida conta esse embasamento sócio-cultural único, pode-se analisar de forma mais efetiva a dimensão diretamente quantificável do relacionamento entre o MERCOSUL e a União Européia, ou seja, a do intercâmbio comercial e dos investimentos.
Nos anos recentes, as trocas comerciais MERCOSUL-UE caracterizaram-se por dois movimentos bastante distintos. As exportações da UE para o MERCOSUL, partindo de uma cifra total de 6,8 bilhões de dólares em 1990, atingiram em 1994 16,8 bilhões de dólares, registrando um notável crescimento de 147% no período. Essa trajetória reflete, em grande parte, a modificação do perfil econômico dos quatro países que integram o MERCOSUL, os quais, graças a amplo processo de abertura comercial e à retomada do crescimento, aumentaram substancialmente sua propensão a importar. Assim, as importações brasileiras procedentes da UE cresceram 91% entre 1990 e 1994, e as argentinas, nada menos que 300%. Também Paraguai e Uruguai contribuíram para o aumento das vendas da UE ao MERCOSUL, com incrementos, respectivamente, de 44% e 223% nos anos considerados.
Já no que se refere às exportações do MERCOSUL para a UE, registrou-se inicialmente um decréscimo de 13,9 entre 1990 e 1993 (em números absolutos, de 17,7 bilhões de dólares para 15,2 bilhões de dólares), seguido, porém, de forte recuperação em 1994, quando o total exportado atingiu 19,1 bilhões de dólares, com um aumento de 25% em relação ao ano anterior. Em parte, esse pronunciado incremento das vendas do MERCOSUL deveu-se à grande elevação, a partir de 1993, dos preços internacionais da maior parte dos produtos primários que predominam na pauta de exportações dos Quatro para a UE. Esse efeito, de duração incerta, não esconde, porém, o fato de que o tradicional superávit do MERCOSUL no seu intercâmbio com a Europa vem-se reduzindo de forma muito veloz, caindo de 10,9 bilhões de dólares para apenas 2,3 bilhões de dólares entre 1990 e 1994.
Cumpre considerar, de toda forma, que a União Européia constitui hoje o principal destino das exportações do MERCOSUL, das quais absorve pouco menos do que 30%. Essa cifra é particularmente significativa quando comparada com a de outros países latino-americanos — como o México, Venezuela e Colômbia -, cujas vendas para a UE não representam mais de 15% de sua pauta exportadora total. De fato, os países do MERCOSUL são, no contexto latino-americano, aqueles que possuem o comércio exterior mais diversificado e mais equilibrado em termos de mercados de destino, confirmando uma salutar vocação de "global traders".
Como foi dito anteriormente, na composição da pauta exportadora do MERCOSUL para a UE, destacam-se os produtos agrícolas e agro-industriais, que correspondem a cerca de 57% do total. Se a esse grupo somarmos outros produtos de base ou semi-elaborados (como minérios, madeiras, couro, lã, celulose etc), chegaremos a uma proporção superior a 70%. Somente o "complexo soja" responde por quase 30% das vendas. Entretanto é importante que esses números não conduzam a uma visão distorcida, segundo a qual apenas os produtos agrícolas seriam relevantes no comércio com a UE. Convém lembrar que, em 1994, as exportações do Brasil para a UE nos capítulos correspondentes a máquinas, equipamentos diversos e material de transporte, embora não chegando a 10% das vendas totais, ultrapassaram, em termos absolutos, a respeitável cifra de 1,2 bilhão de dólares.
Considerando a situação do ponto de vista da própria UE, verifica-se que o MERCOSUL é o principal exportador de produtos agropecuários para o mercado comunitário, com um valor total de venda superior ao dos Estados Unidos e do Canadá — e isso malgrado as barreiras impostas pela Política Agrícola Comum ao longo das últimas décadas.
De fato, no comércio do MERCOSUL com a UE, o Brasil tem a pauta exportadora mais diversificada. Os seis principais capítulos da pauta brasileira correspondem a 50,7% das exportações totais para a UE, enquanto os seis principais capítulos da pauta argentina cobrem 70,7% do total. A concentração é ainda mais pronunciada no caso do Uruguai (81,7% para os seis principais capítulos) e Paraguai (91,7%). Por outro lado, as pautas dos principais produtos de exportação dos quatro países para a UE são consideravelmente diferentes: alguns dos principais itens da pauta brasileira — como minérios, café, suco de laranja, máquinas e equipamentos — não são importantes no conjunto das vendas dos demais, enquanto produtos essenciais nas exportações argentinas e uruguaias — como lã, couros e pescado figuram com menor destaque na pauta brasileira. Dessa forma, mesmo no setor primário, existe amplo potencial para que os Quatro incrementem sua presença no mercado comunitário sem concorrer entre si.
Os números relativos aos investimentos são particularmente significativos para oferecer uma idéia da importância da presença econômica européia nos países do MERCOSUL. No que se refere particularmente ao Brasil, os dados de 1993 mostram que, do total dos investimentos estrangeiros, um terço (15,8 bilhões de dólares) provém dos países da UE, entre os quais se destacam a Alemanha, o Reino Unido e a França. No setor dos serviços financeiros, a participação européia é especialmente expressiva: 40% do capital dos bancos estrangeiros no MERCOSUL têm origem na União Européia. Contudo a lista do setores pelos quais se distribuem os investimentos europeus é muito diversificada e inclui indústrias centrais na estrutura produtiva, como a automobilística e a química.
Refletindo o êxito dos programas nacionais de estabilização econômica, a retomada do crescimento e, no caso do Brasil, as perspectivas de abertura de setores tais como os de telecomunicações, de energia e de mineração, o MERCOSUL é percebido como um mercado cada dia mais atraente para os capitais europeus, que já vêm ocupando parcela preponderante no processo de privatização argentino.
Estamos, portanto, diante de um quadro muito favorável para o desenvolvimento das relações econômicas do MERCOSUL com a União Européia. O comércio vem crescendo nos dois sentidos e multiplicam-se os investimentos, tanto pelo ingresso de capitais europeus nos setores que se vão abrindo quanto sob a forma de reinvestimento nos campos em que já têm forte presença. Além disso, ambos os fluxos — comércio e investimentos — tendem a alimentar-se mutuamente, gerando uma dinâmica de crescimento que só poderá ser benéfica à melhor inserção dos países do MERCOSUL na economia global.
A ponte em construção
O interesse recíproco entre a União Européia e o MERCOSUL começou a afirmar-se muito cedo: já em abril de 1991, apenas um mês após a assinatura do Tratado de Assunção, os chanceleres dos Quatro reuniram-se em Luxemburgo com o presidente da Comissão Européia e outras autoridades comunitárias. Além da manifestação do desejo de desenvolver os contatos entre os dois grupamentos, surgiu então a idéia de concluir-se um acordo de cooperação capaz de permitir ao MERCOSUL conhecer em detalhe a experiência européia em diversas áreas da integração. O momento era especialmente favorável ao início dos entendimentos entre as duas partes: o MERCOSUL, que acabava de ser criado, buscava afirmar-se como um novo interlocutor no cenário internacional — o que por si só representava um desafio e, ao mesmo tempo, um estímulo, na medida em que exigia intenso esforço de coordenação entre os Quatro; por sua vez, a então Comunidade Econômica Européia tencionava dar maior atenção às principais economias emergentes e, em especial, à América Latina, ampliando a agenda de seu relacionamento com essa região.
Com base naqueles entendimentos, em maio de 1992, foi assinado um acordo de cooperação técnica de caráter interinstitucional (ou seja, o acordo vinculava, de um lado, o Conselho do MERCOSUL e, do outro, a Comissão Européia, e não os governos dos países-membros). Ao mesmo tempo, definiram-se as áreas prioritárias para a cooperação: aduanas, normas técnicas e agricultura.
No mês de maio de 1992, sob os auspícios da presidência portuguesa, voltava a realizar-se reunião de alto nível, na cidade de Guimarães, congregando os chanceleres dos países do MERCOSUL e dos então doze Estados-membros da União Européia, ocasião em que se reafirmou o desejo das partes de continuar valorizando seu relacionamento mútuo.
O acordo interinstitucional foi rapidamente operacionalizado e permitiu o início da cooperação técnica, mediante o intercâmbio de funcionários, relatórios, estudos e seminários sobre temas pertencentes às três áreas selecionadas. Criou-se igualmente um mecanismo denominado "fundos ágeis", com recursos comunitários, que viabilizou a realização de estudos e eventos sobre assuntos específicos de outras áreas, ampliando-se assim o escopo da cooperação. Todo esse trabalho, orientado por uma perspectiva pragmática, contribuiu para fornecer subsídios aos negociadores do MERCOSUL envolvidos na elaboração das normas harmonizadas necessárias ao estabelecimento de uma União Aduaneira.
O relacionamento entre MERCOSUL e UE voltou a ser objeto de encontro ministerial em 1993, já agora em Copenhague. Contudo a perspectiva de um aprofundamento efetivo das relações, ultrapassando a dimensão da cooperação técnica, veio a ganhar um impulso político definitivo em abril de 1994, quando se reuniram, em São Paulo, os chanceleres dos países do MERCOSUL, seus correspondentes dos países da UE e autoridades da Comissão Européia. Nessa oportunidade, alcançou-se o entendimento de que era chegada a hora de iniciar a negociação de um acordo mais amplo, capaz de conduzir, em última instância, a uma viabilização recíproca do intercâmbio.
Em junho de 1994, reunidos na ilha de Corfu, os chefes de estado e de governo da UE confirmaram esse entendimento, com o que a Comissão apresentou ao Conselho, em outubro, um documento de estratégia sobre as perspectivas de fortalecimento das relações com o MERCOSUL, propondo objetivos bastante ambiciosos, inclusive no plano econômico-comercial.
Os Quatro, por sua vez, estavam, nessa época, engajados na negociação do Protocolo de Ouro Preto (dezembro de 1994), o qual, ao conferir personalidade jurídica ao MERCOSUL, tornou possível a conclusão de acordos com terceiros países ou grupos de países. Paralelamente, plasmavam-se os instrumentos comerciais comuns necessários para o estabelecimento de uma União Aduaneira a partir de 1.º de janeiro de 1995, tornando-se com isso indispensável que o MERCOSUL passasse a atuar em conjunto nas futuras negociações comerciais com terceiros países.
Em novembro de 1994, os chanceleres do MERCOSUL, em visita a Bruxelas, aprofundaram com as autoridades da Comissão os entendimentos sobre os próximos passos a serem dados na ampliação do relacionamento. Logo a seguir, em dezembro, MERCOSUL e União Européia assinaram Declaração Conjunta Solene, que afirmava o interesse das duas partes em "uma estratégia cujo objetivo final seja uma associação política e econômica inter-regional", a qual deveria incluir "a liberalização progressiva e recíproca de todo o comércio, tendo em conta a sensibilidade de alguns produtos e de acordo com as normas da OMC". Ali se formalizou, outrossim, o propósito de estabelecer um acordo-quadro capaz de preparar o caminho para a referida associação inter-regional.
O primeiro semestre de 1995 foi dedicado pela Comissão a preparar o projeto de mandato negociador, que a habilitaria a iniciar com o MERCOSUL as tratativas referentes ao texto do Acordo-Quadro. Em maio, realizou-se em Paris novo encontro entre chanceleres dos países do MERCOSUL e da União Européia, quando se registrou a disposição de ambas as partes de iniciar as negociações o mais cedo possível, com vistas a permitir a assinatura do instrumento no segundo semestre de 1995, quando a Espanha estaria exercendo a presidência do Conselho. Aprovado o mandato negociador em junho, já em setembro, ao cabo de duas sessões negociadoras, chegou-se a um texto consensual.
O novo arcabouço contratual
O Acordo-Quadro tem como objetivos básicos o fortalecimento das relações recíprocas e o estabelecimento das condições adequadas para a criação de uma associação inter-regional de cunho político e econômico. Não se trata, portanto, neste momento, de um acordo de liberalização comercial, mas sim de um instrumento que, ao propiciar forte adensamento do diálogo e da cooperação em diversos campos, visa a gerar um processo associativo que inclua, em etapa ulterior, uma zona de livre-comércio.
Vale apenas resumir brevemente o conteúdo do Acordo-Quadro — cujo título completo é Acordo-Quadro Inter-regional de Cooperação entre a Comunidade Européia e seus Estados-membros e o Mercado Comum do Sul e seus Estados-partes.
A parte introdutória alinha os conceitos básicos que lastreiam o acordo. Mencionam-se aí, por exemplo, os laços históricos e culturais e os valores comuns dos povos de ambas as regiões, sua plena adesão aos princípios democráticos e ao respeito pelos direitos humanos, bem como a convicção das duas partes de que os processos de integração regional constituem importante instrumento de desenvolvimento econômico e social.
Passando à parte dispositiva, o primeiro titulo reitera que o respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos constitui o fundamento da cooperação. Fixa, igualmente, os objetivos básicos, acima referidos, de fortalecimento das relações e criação das condições para uma associação inter-regional. Estipula, ainda, que as partes estabelecerão um diálogo político regular (cujos parâmetros, como se verá adiante, são detalhados na declaração política).
O segundo título, referente ao âmbito comercial, estabelece como objetivo da cooperação nessa área o incremento e a diversificação do intercâmbio, preparando a liberalização progressiva e recíproca do comércio, que deverá dar-se em etapa posterior. Para tanto, será instituído um diálogo sistemático abarcando temas relacionados ao acesso a mercados (barreiras tarifárias e não-tarifárias); relações comerciais de cada parte com terceiros países e seu impacto no comércio recíproco; regras de origem; compatibilidade de um futuro processo de liberalização comercial entre MERCOSUL e UE com as normas da OMC; identificação de produtos sensíveis e prioritários para cada parte, também com vistas à futura liberalização; e comércio de serviços. Exprime-se igualmente a concordância das partes em cooperar nos âmbitos de normas técnicas (que constituem uma das principais barreiras às exportações de produtos do MERCOSUL para a Europa), assuntos aduaneiros, estatísticos e propriedade intelectual (com o objetivo, neste caso, de fomentar os investimentos e a transferência de tecnologia mediante o cumprimento dos acordos alcançados a respeito no âmbito do GATT/OMC).
O título seguinte trata da cooperação econômica, atribuindo-lhe uma ampla gama de objetivos, que incluem a diversificação dos vínculos econômicos entre as partes, o fortalecimento da competitividade internacional e o desenvolvimento tecnológico e científico. Todas as ações de cooperação deverão tomar em conta a questão ambiental, bem como o desenvolvimento social.
A cooperação em matéria econômica não excluirá de antemão nenhum setor. O Acordo, entretanto, destaca um conjunto de áreas em que deverão, em princípio, concentrar-se os trabalhos, estabelecendo por isso parâmetros para as atividades cooperativas nos âmbitos empresarial, de investimentos, energético, de transportes, de ciência e tecnologia e de telecomunicações.
No campo da cooperação empresarial, as partes buscarão intensificar os contatos entre agentes econômicos, apoiar a cooperação entre pequenas e médias empresas, instituir redes de contatos e promover atividades de formação. No setor dos investimentos, uma das principais ações consistirá no apoio ao estabelecimento de um arcabouço jurídico mais favorável aos fluxos de investimento entre as duas regiões. No campo da energia, as partes buscarão fomentar projetos conjuntos de desenvolvimento tecnológico e de infra-estrutura. Já a cooperação em matéria de transporte se destina a apoiar a reestruturação e modernização dos sistemas de transportes, procurando igualmente evitar que quaisquer aspectos ligados ao transporte de mercadorias se apresentem como obstáculo ao comércio. No terreno da ciência e tecnologia, as ações incluirão a realização de projetos conjuntos e intercâmbio de cientistas, com a participação tanto de instituições de ensino superior quanto dos setores produtivos interessados. A cooperação no domínio das telecomunicações buscará especialmente difundir as novas tecnologias no setor.
O Acordo também prevê a cooperação em matéria ambiental, mediante intercâmbio de experiências, capacitação e formação, assistência técnica e execução de projetos conjuntos de investigação.
O quarto título aborda a cooperação destinada ao fortalecimento do processo de integração desenvolvido no âmbito do MERCOSUL. Trata-se, na prática, de uma continuação do Acordo Interinstitucional de 1992, possibilitando a transmissão de experiências, realização de estudos, capacitação e assistência técnica, que servirão como subsídio ao processo de implementação do MERCOSUL.
O título quinto prevê o estreitamento dos contatos entre as instituições do MERCOSUL e da União Européia. De certa forma, a cooperação entre as instituições de ambas as partes está implícita em todas as tarefas de cooperação que se desenvolvam nas áreas já mencionadas. O dispositivo em questão, no entanto, permitirá justamente que instituições dos dois lados que não estejam envolvidas em projetos de cooperação específicos possam, mesmo assim, intercambiar experiências e informações.
O título sexto cobre as áreas não-econômicas em que se deverá desenvolver o processo cooperativo: formação e educação em matéria de integração regional; comunicação e cultura (visando inclusive divulgar junto à sociedade o andamento dos dois processos de integração); luta contra o narcotráfico (mediante processo de consultas e ações coordenadas).
O texto estabelece, a seguir, o quadro institucional que permitirá a operacionalização do Acordo. O órgão principal será o Conselho de Cooperação, que se reunirá em nível ministerial e de forma periódica, cabendo-lhe supervisionar o funcionamento do Acordo, examinar os problemas que venham a surgir e formular propostas, sempre com vistas ao objetivo último da criação da Associação Inter-regional. O Conselho de Cooperação será assessorado pela Comissão Mista de Cooperação, dentre cujas competências específicas está a de formular propostas capazes de impulsionar a preparação do processo de liberação comercial e de intensificar a cooperação. Vinculada à Comissão Mista funcionará uma importante Subcomissão Comercial, com a atribuição de trabalhar pelo cumprimento dos objetivos comerciais do Acordo.
As disposições finais estabelecem que o Acordo-Quadro não impedirá que os países membros do MERCOSUL e da UE celebrem entre si acordos bilaterais nem prejudicará o funcionamento dos instrumentos de cooperação bilaterais já existentes entre a UE ou seus Estados-membros e países individuais do MERCOSUL. Por exemplo, acaba de ser ratificado e de entrar em vigor o acordo bilateral de cooperação entre o Brasil e a UE, assinado em 1992, cuja implementação não será afetada pelo acordo entre MERCOSUL e UE, como não o serão os instrumentos bilaterais semelhantes que vinculam a UE à Argentina, ao Paraguai e ao Uruguai. Continuarão também em plena vigência os acordos de cooperação entre Brasil e França, Brasil e Alemanha, Argentina e Itália etc.
O Acordo-Quadro entrará em vigor somente quando houver sido ratificado pelos quinze membros da UE, pela própria Comunidade Européia e pelos quatro Estados-partes do MERCOSUL. Como tal processo exigirá que o texto seja submetido aos parlamentos das dezenove nações envolvidas e ao Parlamento Europeu, adotaram-se procedimentos que permitirão à Comissão Européia e ao MERCOSUL iniciar de pronto os trabalhos referentes à esfera comercial, na qual, de conformidade com o Tratado de Roma e o Protocolo de Ouro Preto, as competências de ambas as partes não dependem de ratificação parlamentar.
Juntamente com o Acordo-Quadro, as autoridades do MERCOSUL e da União Européia assinaram a Declaração Conjunta sobre o diálogo político, instrumento igualmente essencial no aprofundamento das relações entre os dois grupamentos. A Declaração, em seu preâmbulo, reitera os vínculos profundos existentes entre as partes e sua comunhão de valores, especialmente no que toca aos princípios democráticos, à promoção dos direitos humanos e ao compromisso com a garantia da paz e da segurança internacionais, manifestando o desejo de ambas de "dar a suas relações uma perspectiva de longo prazo", isto é, sistematizar seu diálogo sobre as questões maiores da agenda internacional e bilateral. O texto define como objetivo básico dessa intensificação do diálogo o estabelecimento de uma associação inter-regional, o que explícita o caráter convergente do Acordo-Quadro e da Declaração Política. Outrossim, recorda, mais uma vez, a importância da integração regional como meio para o desenvolvimento social e para uma melhor inserção de cada país na economia mundial.
Os mecanismos principais do diálogo político serão: a) encontros regulares entre os chefes de estado do MERCOSUL e as autoridades máximas da UE; b) reuniões anuais entre os chanceleres dos países do MERCOSUL e da UE, com a presença da Comissão Européia (consolidando-se, desse modo, uma tradição que data de 1991); c) reuniões de outros ministros, quando se julgue necessário; d) reuniões periódicas de altos funcionários.
O caminho à frente
A análise dos dois instrumentos torna claro que estamos diante de um verdadeiro salto qualitativo nas relações entre o MERCOSUL e a União Européia. Possuímos agora um arcabouço de cooperação virtualmente ilimitado em sua abrangência, concebendo aquela cooperação não como um fim em si mesma, mas como preparação de futuros vínculos ainda mais profundos. Contamos, ao mesmo tempo, com um mecanismo de diálogo regular, em diversos níveis — desde os chefes de estado até as autoridades executivas. E temos esse conjunto orientado para um ambicioso objetivo central, o da Associação Inter-regional — a primeira, na História, a envolver duas uniões aduaneiras e dois grupamentos separados por um oceano.
Poder-se-ia objetar que não foi marcada nenhuma data para o advento da associação, tal como vem ocorrendo em outras instâncias. É verdade, mas trata-se aí de uma opção consciente, guiada por um espírito de trabalho essencialmente pragmático. O que se pretende é que a operação dos mecanismos previstos no Acordo-Quadro e na Declaração Política permita o progressivo adensamento dos vínculos a fim de que, tomando em conta as realidades de cada uma das partes, possam definir-se sem precipitação os interesses mútuos e o próprio momento de inscrevê-los num futuro acordo de associação. Até mesmo pela complexidade de negociar uma zona de livre-comércio entre grupamentos com diferentes níveis de desenvolvimento econômico, escolheu-se uma estratégia interativa, em que o projeto irá ganhando contornos claros ao longo de sua própria construção, em lugar de estabelecer-se, já de início um plano excessivamente rígido e detalhado.
Essa salutar cautela justifica-se, também, pelo fato de que tanto o MERCOSUL quanto a UE, sem menoscabar a importância de seu relacionamento, têm outras prioridades em matéria comercial.
A UE, como é sabido, vem desenvolvendo nos últimos anos uma ampla rede de acordos comerciais com países situados em seu entorno geográfico — Europa central e do leste, e Mediterrâneo. Alguns desses instrumentos, como aqueles referentes às nações do Magrebe e do Machreque (num arco que se estende do Marrocos a Israel), têm caráter associativo; outros, como os relativos aos países que integram a CEI (antiga União Soviética), prevêem formas variadas de cooperação econômica e de liberalização comercial; e, por fim, os chamados "acordos europeus" representam um envolvimento mais profundo com os ex-países socialistas do continente, espalhados do Báltico ao Adriático, pois aí já se cuida efetivamente de prepará-los para ingressar na UE como membros plenos.
As complexas questões que suscita esse "alargamento", quando combinadas às outras tantas relativas ao "aprofundamento" da construção comunitária (Conferência Intergovernamental de 1996, concretização da União Econômica e Monetária etc), estarão compreensivelmente no centro das atenções comunitárias durante os próximos anos, não oferecendo margem maior para outras iniciativas de vulto. O importante, entretanto, é ter em mente que a rede de acordos acima mencionada, ao visar à consolidação das economias vizinhas à UE, reveste um caráter nitidamente "reativo". Em contraste, o projeto da associação inter-regional com o MERCOSUL, para usar um neologismo muito em voga, é, na sua essência, "proativo", uma vez que os Quatro não representam nenhuma ameaça aos Quinze e, pelo contrário, afirmam-se unicamente como parceiros políticos confiáveis e sócios econômicos proficientes.
Do lado do MERCOSUL, a tarefa mais premente consiste na própria consolidação da união aduaneira, que deverá vir acompanhada de medidas capazes de contribuir para a crescente harmonização das políticas macroeconômicas de seus integrantes. Adicionalmente, cumpre levar a bom termo as negociações em curso com o Chile, onde se busca uma forma de associação que, indo além do domínio exclusivamente comercial, englobe até mesmo matérias referentes ao fortalecimento da infra-estrutura de todo o Cone Sul. Outra importante linha de ação externa do MERCOSUL prende-se ao objetivo de constituir uma área de livre-comércio na América do Sul (ALCSA), dando seqüência aos entendimentos já iniciados com Bolívia e Venezuela, bem como com o Pacto Andino em conjunto.
Em outro plano, na esteira das decisões tomadas pela Conferência de Miami, os países do MERCOSUL deverão participar dos trabalhos conducentes ao estabelecimento de uma zona de livre-comércio hemisférica, cuidando sempre de salvaguardar sua condição de "building block" naquele processo. Nessas circunstâncias, deverão fortalecer seu diálogo com os Estados Unidos no formato "4+1" e, se possível, criar uma interlocução em moldes "4+3" com o NAFTA.
Vê-se, assim, que ambos os grupamentos têm diante de si uma pesada agenda comercial, onde constam também as obrigações decorrentes de sua intensa participação no fortalecimento do sistema multilateral capitaneado pela OMC. Mas a vontade política expressa nos dois atos que acabamos de examinar não deixa dúvida de que MERCOSUL e UE caminham, em passo certo, rumo ao resgate pleno de uma parceria que a história já vinha traçando há muitos séculos.

Comércio MERCOSUL — União Européia/15
Exportações do MERCOSUL em US$ bilhões
1991 1992 1993 1994
ARGENTINA 4,0 3,7 3,7 4,1
BRASIL 10,1 10,9 10,2 12,2
PARAGUAI 0,2 0,2 0,2 0,3
URUGUAI 0,4 0,4 0,3 0,4
MERCOSUL 14,7 15,2 14,4 17,0


Comércio MERCOSUL — União Européia/15
Importações do MERCOSUL em US$ bilhões
1991 1992 1993 1994
ARGENTINA 2,3 4,1 4,7 7,0
BRASIL 5,1 4,9 6,3 9,5
PARAGUAI 0,2 0,2 0,2 0,2
URUGUAI 0,3 0,3 0,5 015
MERCOSUL 7,9 9,5 11,7 17,2


Comércio MERCOSUL — União Européia/15
Saldo do MERCOSUL em US$ bilhões
1991 1992 1993 1994
ARGENTINA 1,7 -0,3 -1,0 -2,8
BRASIL 5,0 6,0 3,9 2,7
PARAGUAI 0,0 0,0 0,0 0,1
URUGUAI 0,1 0,1 -0,2 -0,1
MERCOSUL 6,8 5,7 2,7 -0,2
FONTE: BID (BR/SECEX — AR/INDEC — UR/B.CENTRAL — PR/B. CENTRAL)
Exportações do MERCOSUL por blocos regionais
US$ bilhões)
ARGENTINA BRASIL PARAGUAI URUGUAI MERCOSUL
1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994
UE/15 4,0 3,7 3,7 4,1 10,1 10,9 10,2 12,2 0,2 0,2 0,2 0,3 0,4 0,4 0,3 0,4 14,7 15,2 14,4 17,0
NAFTA 1,5 1,6 1,6 2,2 7,5 8,5 9,3 10,4 0,1 0,1 0,1 0,0 0,2 0,2 0,2 0,2 9,3 10,4 11,2 12,8
ÁSIA 0,9 0,8 0,7 1,2 5,4 5,3 5,8 6,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,2 0,2 0,2 0,2 6,5 6,3 6,7 7,6
MERCOSUL 2,0 2,3 3,6 4,8 2,3 4,1 5,4 5,9 0,3 0,3 0,3 0,3 0,6 0,6 0,7 0,9 5,2 7,3 10,0 11,9
ALADI* 1,2 1,7 1,4 1,9 1,9 2,4 2,8 2,8 0,1 0,1 0,1 0,2 0,1 0,1 0,1 0,0 3,3 4,3 4,4 4,9
RESTO DO MUNDO 2,3 2,1 2,0 1,6 4,5 4,7 5,2 6,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,2 0,2 0,1 0,1 7,0 7,0 7,3 7,8
TOTAL 11,9 12,2 13 15,8 31,7 35,9 38,7 43,6 0,7 0,7 0,7 0,8 1,7 1,7 1,6 1,8 46,0 50,5 54,0 62,0
* Exceto países do MERCOSUL

Importações do MERCOSUL por blocos regionais
(US$ bilhões)
ARGENTINA BRASIL PARAGUAI URUGUAI MERCOSUL
1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994 1991 1992 1993 1994
UE/15 2,3 4,1 4,7 7,0 5,1 4,9 6,3 9,5 0,2 0,2 0,2 0,2 0,3 0,3 0,5 0,5 7,9 9,5 11,7 17,2
NAFTA 2,0 3,4 4,2 5,3 5,7 5,7 7,4 8,4 0,2 0,2 0,2 0,3 0,2 0,2 0,3 0,3 8,1 9,5 12,1 14,3
ÁSIA 0,4 0,7 0,8 1,9 1,8 1,7 2,9 4,5 0,2 0,2 0,2 0,5 0,2 0,2 0,3 0,2 2,6 2,8 4,2 7,1
MERCOSUL 1,8 3,7 4,2 5,1 2,3 2,2 3,3 4,8 0,4 0,5 0,5 0,9 0,9 0,9 1,1 1,2 5,4 7,3 9,1 12,0
ALADI* 0,7 1,3 1,0 1,2 0,7 1,1 1,1 1,6 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,2 1,5 2,5 2,2 3,1
RESTO DO MUNDO 1,1 1,7 1,9 1,1 5,6 5,0 4,7 6,7 0,1 0,1 0,1 0,4 0,4 0,4 0,1 0,3 7,2 7,2 6,8 8,5
TOTAL 8,3 14,9 16,8 21,6 21,2 20,6 25,7 35,5 1,2 1,3 1,3 2,4 2,0 2,0 2,3 2,7 32,7 38,8 46,1 62,2
* Exceto países do MERCOSUL

FONTE: BID (BR/SECEX — AR/INDEC — UR/B.CENTRAL — PR/B. CENTRAL)

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