quinta-feira, 16 de junho de 2011

CULTURA E INDÚSTRIA DA VIOLÊNCIA
Bruno Luiz Pelikan Teixeira

RESUMO

Darwin já dizia que só sobrevivem os mais bem preparados. E na história da humanidade não é diferente, a busca pelo poder, glória e fortuna corrompem os humanos, e por trás disso sempre há a violência. Dizer que esta nunca existiu ou que só existe agora é não considerar que a humanidade se dá através de dominação de classes, e que esta sempre houve desde os mais primórdios resquícios de vida humana perpetuado por diversas formas de violência. Esta é sempre a ponte para algum interesse, é o elo, seja para buscar o poder, capital, glória, prazer, etc. Ninguém pratica a violência por praticar, e sim para se alcançar um fim, e quando enxergamos isso, vemos que ela está muito mais presente do que possamos imaginar. Quiçá o que nos faz preocupar com esse tema somente agora, seja o fato da violência estar batendo em portas que antes não batia. Se antes a violência era um privilégio das classes nobres para perpetuar a dominação e o status quo, hoje, podemos falar em democratização da violência, e o que vai, volta, e classes que antes não tinha essa arma, agora a possuem, e classes que jamais achavam que ela se voltaria contra si, agora se voltam.

Palavras-chave: Humanidade. Poder. Violência. Dominação. Classes.


1. INTRODUÇÃO

Pensar na humanidade sem pensar em violência é absolutamente inconcebível. Ademais, achar que a violência é fato novo é pensamento individualista de quem nunca se preocupou com a sociedade como um todo e nunca saiu de seu casulo. A história dos humanos é marcada por violência, e digo violência não apenas no sentido mais óbvio e táctil, da violência física, escancarada, vista em guerras e massacres por aí afora. Há de se pensar além desse conceito e visualizar outras formas de violência, e outros fins a qual ela se destina, usadas pelos homens.
É preciso abster de pré-conceitos estigmatizantes hoje vendidos pela mídia, como por exemplo, de que a violência é algo inerente às classes populares, e de que em sua maioria é praticada por jovens negros favelados.
A violência está em todos os cantos, seja rico ou pobre; sob diversas formas, com diversas características e causas, e conseqüentemente, deve ser tratada com diagnósticos díspares, por isso sua tamanha complexidade. Falaremos, aqui, da difusão da violência nos dias atuais, do cerne, e não somente no que mais comumente se conhece como violência, aquela escancarada, a que se traduz em crimes. Passaremos por conseguinte à análise do que pode se dizer que é o ponto chave para se entender melhor como a violência funciona: a instrumentalidade. Inobstante, antes de concluir esse breve trabalho, falaremos da violência criminal, aquela que nos faz presente nos dias-dias, traduzida em homicídios, tráfico de armas e drogas e etc, estigmatizada como aquela produzida pelos pobres e favelados.

2. DIFUSÃO DA VIOLÊNCIA

Desde os mais antigos resquícios de sociedade do nosso antepassado, vemos presente a violência, como por exemplo, no feudalismo. Esta era usada para manter o status quo da divisão de classes. Através de violência como: miséria, fome e o medo, os senhores feudais mantinham a dominação sob os servos e camponeses, ou em outras palavras, essa sociedade era “caracterizada pela segregação dos homens em estratos sociais hierarquizados” (RIBEIRO, p. 43).
Como bem diz Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Professor da UFRJ e autor de um artigo relacionado ao tema, foi com a democracia e a formação de vida urbana propriamente dita que o homem desvinculou-se das relações de dominação pessoal, marcas do feudalismo, ademais, é na cidade que o homem adquire a emancipação material e moral:

Os cidadãos urbanos usurparam o direito de dissolver os laços da dominação senhorial – e esta foi a grande inovação, de fato, a inovação revolucionária das cidades medievais do Ocidente em face de todas as outras – a quebra do direito senhorial. Nas cidades centro e norte-européias originou-se o conhecido dito: “o ar da cidade liberta”. (WEBER, apud, RIBEIRO, p. 43)

Ribeiro, antes de se aproximar do problema da violência nos dias atuais, fala em uma inclusão urbana como uma necessidade tendo em vista a realidade de “urbanização sem cidades”. Tal evento se dá pelo fato de haver um descompasso entre três focos que deveriam coexistir: o democrático, o liberal e o social, representados respectivamente pela cidade (polis), cidadania (civitas) e sociedade (societas). Desse modo, o descompasso existente se dá pelo fato de que se aumenta a cidade, mas a cidadania (mutuo respeito) permanece hipertrofiado pela inexistência de uma sociedade (sistema de proteção social contra a ameaça do livre jogo do mercado).
Queiroz afirma:

[...] a dinâmica urbana da cidade latino-americana tem como base a apropriação privada [...], fazendo com que os segmentos já privilegiados desfrutem de mais privilégios, [...] ao mesmo tempo em que grande parte da população, formada pelos trabalhadores, é espoliada, por não terem reconhecidas socialmente suas necessidades de consumo habitacional (moradia e serviços coletivos), inerentes ao modo urbano de vida. O resultado é a urbanização sem cidades. (RIBEIRO, p. 43)
Assim sendo, o autor afirma que a carência habitacional está no centro do problema urbano brasileiro, uma vez que grande parte da população, por ser excluída do mercado imobiliário, é inserida marginalmente nas cidades.
Na mesma linha, a segregação e a exclusão habitacional favorece uma vulnerabilização social, decorrente da precarização do emprego, do desemprego e, conseqüentemente, ocorrendo a perda de renda. Processo que se soma ao empobrecimento social, fruto da desestruturação da célula mãe da sociedade, a família, do isolamento social e da desertificação cívica dos bairros abastados e marginalizados. O resultado de tudo isso já conhecemos: abre-se a porta para o surgimento de grupos de organização comunitária e autônoma com o intuito de compensar o abandono pelo Estado, e paralelo a isso, decorre um pluralismo jurídico, onde o direito não-oficial conflita com o oficial que muitas vezes lá não chega. Estamos falando do cerne da célula crime organizado, do tráfico e da difusão da violência. Queiroz com brilhantismo relaciona isso ao feudalismo, onde antes era uma relação de dominação pessoal com o senhor feudal, e hoje, analogicamente, poderíamos falar: na periferia, uma relação com os senhores donos dos morros; e nos núcleos das metrópoles (a cidade alta segundo Queiroz) com os senhores donos do capital e das outras formas de riqueza. (RIBEIRO, p. 43)

3. INSTRUMENTALIDADE DA VIOLÊNCIA

Aqui talvez esteja a mais bem colocada caracterização da violência. Hannah Arendt, teórica política alemã, citada em Violência Extra e Intramuros, artigo de Alba Zaluar e Maria Cristina Leal, diz o seguinte: “a violência é um instrumento e não um fim” (ARENDT, apud, LEAL; ZALUAR, 2001, p. 147), ou seja, ela é um meio de se alcançar algo, seja dominação, status, poder, enfim, ela não é um fim em si mesmo, não se faz violência puramente por fazê-la.
Tavares dos Santos, também citado nesse artigo, diz ser a “violência um dispositivo de controle, aberto e contínuo.” e também como um “dispositivo de excesso de poder” (SANTOS, apud, LEAL; ZALUAR, 2001, p. 148)
Quando pensamos em tráfico de drogas, homicídios e etc, vemos com nitidez a instrumentalidade da violência em sua forma mais simples, a de ser meio para a busca do capital do tráfico de drogas e armas. É com base na violência, amedrontando e assediando os jovens que os donos dos morros os trazem e convencem a entrarem para o mundo do tráfico.
Não menos diferente, é a instrumentalidade da violência nas guerras promovidas durante a história da humanidade. Ali, o que se pretendia era o poder, o status, a dominação, e o capital, sempre por trás de senão todas, de grande parte dos fins queridos através da violência. Aqui vale a pena fazer uma observação para o filme O senhor das Armas, baseado em fatos reais, com Nicolas Cage, contrabandista de armas, e que fazia negócios bilionários com chefes do poder executivo de países afora, que bem retrata essa idéia de instrumentalidade da violência em busca do capital com os dizeres do protagonista: “Admito que um tiroteio é bom para os negócios, mas queria que as pessoas atirassem e errassem. Mas que continuassem atirando”.

4. VIOLÊNCIA CRIMINAL

Restringindo o campo da violência, passamos à análise da violência criminal (homicídios, roubos, furtos, tráfico de drogas e armas, etc), e ao falar dela logo vem o questionamento sobre sua origem, suas causas. No entanto, falar de violência e crime não são fáceis. Sobretudo, é necessário evitar a armadinha da generalização. (SOARES, 2006, p.4)
Luiz Eduardo Soares, autoridade em segurança pública, com brilhantismo e clareza ímpares, diz que não existe o crime, no singular. “Há uma diversidade imensa de práticas criminosas, associadas a dinâmicas sociais muito diferentes. Por isso, não faz sentido imaginar que seria possível identificar apenas uma causa para o universo heterogêneo da criminalidade.” (SOARES, p.4)
Sobre a impossibilidade da generalização, Soares exemplifica:

“[...] roubos praticados na esquinas por meninos pobres, que vivem nas ruas cheirando cola, abandonados à própria sorte, sem acesso à educação e ao amor de uma família que os respeite, evidentemente expressam esse contexto cruel [...] varejo de drogas, nas periferias: juventude ociosa e sem esperança é presa fácil para os agenciadores do comércio clandestino de drogas, não é difícil recrutar um verdadeiro exército de jovens quando se oferecem vantagens econômicas muito superiores ao mercado comum e benefícios simbólicos que valorizam a auto-estima, atribuindo poder aos excluídos [...]. Por outro lado, os operadores do tráfico de armas, que atuam no atacado, lavando dinheiro no mercado financeiro internacional, não são filhos da pobreza ou da desigualdade. Suas práticas são estimuladas pela impunidade. Em outras palavras, pobreza e desigualdade são e não são condicionantes da criminalidade, dependendo do tipo de crime, do contexto intersubjetivo e do horizonte cultural a que nos referimos”. (SOARES, p. 4;5)

Não basta, porém, apenas falar sobre a violência sem apresentar quaisquer perspectivas para reduzi-la. Soares disserta dizendo que deve ser feita através de políticas preventivas e repressivas. Políticas preventivas seriam políticas que não são estruturais e que produzem resultados em curto prazo, e, portanto, não agem sobre as macroestruturas socioeconômicas do país. Alerta desde então, que políticas preventivas podem ser eficientes mesmo não atuando sobre macroestruturas, e argumenta: dizer que estaria enxugando gelo é equívoco (SOARES, 2006, p.5;6). Admite, no entanto, que são políticas superficiais e baratas, e que não impedem o retorno do problema que se deseja evitar, mas categoriza: mas elas salvam vidas, reduzem danos e sofrimento e tornam a vida mais feliz (SOARES, 2006, p.6).. E por conseguinte alega:

“em segurança pública, as conseqüências tornam-se causas no movimento subseqüente do processo social: determinadas condições favorecem a prática de crimes; os crimes expulsam empresas, o que aumenta o desemprego, ampliando as condições para o crescimento de certas formas de criminalidade, etc. E o ciclo dá mais uma volta em torno do mesmo eixo. (SOARES, p. 6)

Disso se conclui que o crime se torna a própria causa do crime (SOARES, 2006, p.7). Desse modo, atuando sobre o crime, interrompe esse carrossel perverso, pois, menos crime é igual a melhor qualidade de vida, melhor economia, melhor vida social, e conseqüentemente, menos crime. Portanto, ainda que haja superficialmente sobre as causas imediatas daqueles, reduzindo o número de vítimas, a taxa de risco, o grau de propagação do medo, e a sensação de insegurança, acabam por ser muito mais que enxugar gelo. (SOARES, 2006, p.7)
No mais, o que deve sempre ser evitado é o problema da generalização e unificação de medidas. Não há modelos únicos e gerais, aplicáveis em todo o país (SOARES, 2006, p.7). Cada região, cada cidade, deve possuir suas próprias ações contra a criminalidade, pois, por exemplo, causas e condições para a disseminação da violência criminal que incidem na região Sudeste, não são as mesmas que incidem na região Nordeste. Há de ser observado cada território com especificidade e com foco diferenciado, e talvez esteja aí a grande idéia de como agir contra a violência criminal, ou seja, quanto aos diversos territórios brasileiros, deve-se tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade, como bem dizia Aristóteles ao dissertar sobre o princípio da igualdade, dito como substancial, e não meramente formal.

5. CONCLUSÃO

No mundo atual, moderno, e ferozmente veloz, o que não vemos mais são os laços de amizades e de mútuo respeito entre os que aqui vivem. Não querendo simplificar um tema que não é, e sem querer ser superficial, penso que há uma grande causa por trás de todos esses problemas relacionados com a violência: A compaixão e a solidariedade que a cada dia se soçobra em nossa sociedade, se é que pertencemos a uma. Diuturnamente aumenta-se o individualismo, e viver em sociedade, efetivamente, começa a ficar em segundo plano. Por trás disso, todo um aparato complexo e ao mesmo tempo simples: o capitalismo, em sua mais selvagem concepção, onde tudo gira em torno do status e dinheiro, numa soma perversa em busca do poder, e ora, se há alguém que possui muito poder, certamente haverá alguém que nada possui, e daí decorre a tal dominação que falamos.
Ademais, o que não podemos é isolar, ignorar e tratar com indiferença classes teoricamente mais carentes financeiramente. Estigmatizar que na favela só existe criminosos é o primeiro passo para continuar com esse vício pré-conceituoso. Moradores de lá, que segundo estatísticas, em sua maioria, jovens e negros, entram no mundo do crime, não o faz por opção, mas por não enxergarem outro caminho. Cabe aqui exemplificar com uma máxima antiga, daquelas que se escuta de seus avôs que diz o seguinte: Se colocarmos em um recém-nascido um óculos azul, e assim deixar crescer e permanecer com eles, ela enxergará o mundo como se fosse azul. Portanto, infelizmente, jovens que vivem no mundo do tráfico e de drogas, não conseguem ver outra realidade senão aquela que estão inseridos, e enxergam esta, como a única realidade.
Inobstante, não cabe dizer que a violência é algo inerente às classes populares. Muito pelo contrário, a violência sempre existiu (através da fome e miséria) e sempre esteve ligada às classes dominantes, até porque é por ela que se dá a dominação de classes. A violência não é, e nem nunca foi fato novo, e talvez só esteja recebendo tratamento diferente nos dias de hoje porque nunca havia batido às portas da classe média, amedrontado-a. E o porquê disso é a negação do sentimento coletivo da cooperação, da colaboração e da solidariedade, ante uma ideologia imposta de competição e de luta pela sobrevivência entre homens, em que o que se busca é glória, poder e capital.






REFERÊNCIAS

SOARES, Luiz Eduardo. Segurança Pública: presente e futuro. São Paulo, v. 20, n. 56, jan./abr. 2006.

ZALUAR, Alba; LEAL, Maria Cristina. Violência Extra e Intramuros. São Paulo, v. 16, n. 45, fev. 2001.

RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Cidade e Cidadania: Inclusão urbana e justiça social. São Paulo, v. 56, n. 2 abr./jun. 2004.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, SP, BR: Malheiros Editores, 2002. 3a.ed.

O Senhor das Armas. Produção de Andrew Niccol. Nord, France: EMC Produtora e Arclight Films Distribuidora, 2005. DVD (122 min.): son., color., legendado. Port.

Nenhum comentário:

Postar um comentário