terça-feira, 31 de maio de 2011

"O euro não funcionou", diz Marine Le Pen, líder da direita francesa

ANA CAROLINA DANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

Líder do principal partido de extrema-direita da França, Marine Le Pen, 42, segue os passos da carreira política de seu pai, Jean-Marie Le Pen.
Pesquisas de opinião apontam que Marine tem chances de chegar ao segundo turno nas eleições presidenciais francesas de 2012, o que seria uma repetição da história do pai, que perdeu na segunda consulta eleitoral para Jacques Chirac em 2002.
Político da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen concorreu cinco vezes à Presidência francesa.
Marine assumiu este ano a presidência da Frente Nacional (FN), sucedendo seu pai, fundador do partido. Desde 2004, ela atua como deputada no Parlamento Europeu.
Casada pela terceira vez e mãe de três filhos, ela é formada em direito pela Universidade de Paris.

FOLHA - A sra. foi uma das primeiras pessoas a reagir à prisão de Dominique Strauss-Kahn. A sra. concorda com as declarações feitas por seu pai que disse ter ficado 'contente de ver um mal caráter atras das grades"?
MARINE LE PEN - Eu não sei o que foi mais humilhante para a França. A prisão de Dominique Strauss-Kahn ou a reação da classe política francesa, que considero particularmente inapropriada. Ninguém se pronunciou pela vítima. As reações demonstraram o reflexo de uma casta de elites que quer se proteger custe o que custar. Eu não sou uma grande fã do sistema judiciário norte americano, prefiro o nosso, mas uma coisa é certa: eles nos deram uma grande lição de igualdade.

E sobre a reação do presidente Nicolas Sarkozy? A sra. esperava, por exemplo, que ele defendesse que DSK deixasse a direção do FMI?
Sim, acho que seria o mínimo a fazer. Mas se Nicolas Sarkozy tivesse pedido a demissão de Strauss-Kahn, seria obrigado a lembrar aos franceses que foi ele que o indicou para a direção do FMI, apesar de conhece-lo bem, pois toda a classe politica e jornalística sabia de seu comportamento patológico. Sarkozy foi cínico o bastante em nomear DSK para a direção do FMI sob o risco de ver estourar um escândalo como esse que sujou a imagem da França no mundo inteiro. E tudo isso por interesses pessoais, para se livrar de um adversário politico. Eu considero essa classe politica muito irresponsável, tanto Sarkozy quanto toda a esquerda francesa, que estava disposta a levar esse homem à direção do estado.

Então a sra., que é advogada, não aplica o principio da 'presunção de inocência' ? Já considera DSK culpado?
Não, o que eu digo é que ele tinha essa reputação que isso deveria ter levado a classe politica a ser responsável não remover um homem que todo mundo sabia que tinha uma ma reputação no que diz respeito às mulheres. Não era o comportamento de um sedutor, como muitos afirmaram, mas sim o comportamento de um assediador.

Muitos dizem que a Frente Nacional é o partido que vai mais se beneficiar desse escândalo
Eu não sei, mas deveria ser assim.

Por quê?
Porque acho que os franceses devem ter a lucidez de julgar com rigor o comportamento cínico de uma classe politica que estava disposta a escolher um homem contestável suas atitudes simplesmente por interesses pessoais.

Na sua opinião, por que a Frente Nacional vem ganhando votos nas urnas e pontos nas sondagens?
Ha dois fenômenos. Primeiro, o contexto. Os franceses se dão conta que 30 anos de politica entre UMP e PS fizeram de um grande pais um estado a beira da falência, com um desemprego de massa, 18 milhões de franceses que vivem abaixo da linha da pobreza, um nível de educação que não era de cair e uma diplomacia internacional inexistente.
Então o nosso programa, que é radicalmente diferente do que vem sendo apresentado, aparece aos franceses como uma verdadeira alternativa. Em segundo lugar, a Frente Nacional mudou seus dirigentes. Você sabe muito bem que, durante muito tempo, meu pai foi caricaturado, assim como seu movimento. Ele foi apresentado como alguém
extremista, violento, etc. Então a mudança na presidência do partido criou um novo interesse e os franceses se deram conta de que a Frente Nacional não parece com o que se falava do partido.
*Jean-Marie Le Pen causou bastante polêmica com declarações consideradas xenófobas e racistas e discriminatórias sobre a Segunda Guerra, o nazismo, os judeus e árabes.

A Sra. parece mais moderada em suas declarações. E uma
tentativa intencional de se distanciar de certas posições extremistas de seu pai?*
Eu não acho que as posições de meu pai sejam extremistas, mas nos temos visões diferentes sobre alguns temas.

Por exemplo?
Por exemplo, sobre a 2ª Guerra Mundial, o funcionamento do serviço publico. Eu tenho minhas próprias convicções sobre o aspecto social do programa da Frente Nacional. Eu não procuro me distinguir. Eu me exprimo porque acredito que, além do projeto do partido, ha também a pessoa que incarna esse projeto.

Sobre a II Guerra Mundial, qual é a diferença fundamental entre a Sra. e Jean-Marie Le Pen, por exemplo ?
Eu não tenho a mesma sensibilidade que o meu pai sobre esse tema. Eu não vivi a Guerra, ele viveu.

Então, é uma diferença de geração e não de ideologia?
Sim, acho que uma grande parte se deve à diferença de geração, mas é verdade que as declarações do meu pai sobre a segunda Guerra Mundial foram, talvez, desajeitadas e chegarem a ferir o sentimento de algumas pessoas. O meu objetivo não é ferir ninguém. Eu já disse e repito que considero que o nazismo foi o 'cumulo da barbárie' e que os
dois maiores totalitarismos do século 20 foram o nazismo e o comunismo. Eu tento somente avançar sem olhar o tempo todo no retrovisor. Hoje, acho que existem dois novos totalitarismos no mundo. A globalização, que é o totalitarismo do comércio, a o islamismo, que é o totalitarismo da religião. E temos que dar uma resposta a isso.

Quem são os novos eleitores da FN ? Muitos que afirmam que vão votar pela primeira vez no partido em 2012 afirmam que não o fariam se o candidato fosse Jean-Marie Le Pen.
A Frente Nacional e Jean-Marie Le Pen foram tão diabolizados, que o fato de ter uma nova personalidade à frente do partido, uma mulher, mãe de família, pode incentivar as pessoas a se juntarem a nos. Praticamente metade desses novos eleitores vêm da esquerda. São pessoas que têm o sentimento de terem sido traídos pelos partidos de esquerda, que se submeteram a um processo ultraliberal e globalizado, à influência americana. Eles não se
reconhecem mais nesse esquerda que se parece cada vez mais com a direita.

A imigração é um tema importante e central no programa da Frente Nacional. O que é, exatamente, a preferência nacional?
A preferência nacional significa dar prioridade para quem tem a nacionalidade francesa no meu país. Prioridade de acesso ao emprego, às moradias sociais. Que a solidariedade nacional seja reservada aos franceses, seja qual for suas origens. Acho que é mais normal dar trabalho aos franceses que aos estrangeiros. Sem nenhum ódio contra os
estrangeiros. Nós pensamos que todos os estrangeiros que chegam a França devem estar aptos a se sustentar. Não temos mais os meios necessários para acolher essa imigração. Na França o sistema de proteção social é tão generoso que, de certa maneira, absorvemos uma imigração que vem buscar em nosso pais um modo de subsistência que não
conseguimos garantir nem a nossos próprios cidadãos.

A Sra. considera a imigração perigosa para a França?
Não é uma questão de perigo. A imigração é um problema econômico. Ela é muito dispendiosa. Pesa sobre o deficit publico, pois a escola e a saúde são totalmente gratuitas, fora os outros benefícios, como as moradias sociais. O estado não consegue mais arcar com tudo isso. Em segundo lugar, a imigração é utilizada de maneira imprópria pelas grandes empresas e pelo patronato, com o acordo da classe politica, que se serve dela para puxar
para baixo os salários. O objetivo é criar uma espécie de concorrência no mercado de trabalho para diminuir progressivamente os salários em detrimento do poder aquisitivo de nossos compatriotas.

Mas, sobre a imigração legal. Qual é a proposta do FN? Ele deve ser regulada? Como?
Sim, temos que fazer uma moratória sobre a imigração. Nos acolhemos hoje 200 mil pessoas por ano e temos 5 milhões de desempregados. Isso é um absurdo absoluto. Temos cerca de 200 bilhões de euros de deficit por ano e continuamos a importar desempregados, pois não ha trabalho. Então, não é mais possível fazer viver a imigração pela solidariedade nacional. Por isso, a ideia hoje é reduzir a imigração de 200 mil pessoas para 20 mil por ano.

De onde vêm esses números ?
São números do Ministério do Interior: 203 mil estrangeiros em 2010 que entraram de maneira legal em nosso território. Então, é uma loucura continuar essa situação. O que não significa que não se deva implementar um processo de cooperação com os países africanos, pois acho que é necessário fixar a população em seus países de origem.

A sra. disse que a imigração custa caro para a França. Mas ha estudos que mostram o contrario. Um estudo feito pela Universidade de Lille com base em dados de 2009 indica que os imigrantes trouxeram mais riquezas do que despesas para o estado francês. Eles teriam pago cerca de 60 bilhões de euros em impostos e taxas, contra um custo para o estado estimado a 48 bilhões de euros.
Esses números são irreais por uma simples razão: a projeção foi feita com base em uma taxa de desemprego de 5% e estamos a 10%. Além do mais, não levaram em conta os menores de idade. Então, todo o custo para a Educação Nacional, para o sistema de Saúde e de moradias sociais não foram contabilizados nesse estudo. Alias, a Gra Bretanha acabou
de decidir passar de 180 mil para 20 mil imigrantes por ano. Quanto se esta em uma situação de crise e de empobrecimento brutal, não podemos continuar a ser generosos, salvo se o fizermos em detrimento de nossos compatriotas.

Nem mesmo em situações excepcionais como no caso das revoluções na Tunísia e Líbia, por exemplo ? A Europa não deveria acolher, pelo menos provisoriamente, esses imigrantes ?
Porque a Europa ? Acredito na diplomacia regional. Acho que é muito mais normal que sejam os países árabes que acolham esses tunisianos ou líbios. Ha bacias de civilização, eles tem a mesma religião, a mesma língua, a mesma cultura. É muito menos perturbador para o mundo que esse fluxo possa ser feito com a ajuda financeira de países
árabes como as monarquias do petróleo, que são extremamente ricas. Se amanhã a Itália vivesse um terremoto excepcional e que fosse necessário acolher 1 milhão de italianos, não íamos pedir à Síria ou à Arábia Saudita que os acolhessem. Claro, a França acolheria nossos vizinhos italianos. Eu não entendo porque é sempre à Europa que se
pede ajuda, ainda mais agora que estamos em uma situação de empobrecimento, com nossos países em falência. A grande Europa terminou. A Grécia e o Portugal estão quebrados. Amanha será a Espanha, Itália e provavelmente a França.

A França deve sair do espaço Schengen?
Sim. A Europa demonstrou que é incapaz de proteger suas fronteiras. E além do mais, é uma questão de soberania nacional. Cada pais tem o direito de decidir quem entra e quem sai de seu território. Ora, hoje com o espaço Schengen não é assim. Ha três anos, a Espanha e a Itália decidiram regularizar 1,5 milhão de clandestinos. Pois
bem, no dia seguinte, esses clandestinos vieram se instalar legalmente em França.

A Sra. então aprova a politica de imigração do presidente Nicolas Sarkozy, que tenta restringir o fluxo imigratório na França?
Isso é o que ele diz. Os números são catastróficos. Ha mais imigração hoje do que na época dos socialistas. Sarkozy fala muito, mas faz pouco. Acho que temos que suspender Schengen hoje e implementar uma politica de proteção de nossas fronteiras. Se não fizermos isso, corremos o risco de criar conflitos na sociedade francesa.

Gostaria de voltar a um assunto que foi tema de muito debate aqui na França, a lei que proibiu o uso da burca na França. Qual a sua posição sobre essa lei?
Acho que a burca é profundamente contraria à todos os nossos valores e que ela é um sofrimento imposto às mulheres por fundamentalistas que tentam impor em nosso pais a lei da sharia, que são leis que entram em conflito direto com tudo que acreditamos, nossos valores e princípios. Deve ser totalmente proibida.

A Sra. se opôs à intervenção internacional na Líbia. Porque e qual seria a alternativa?
Porque não acredito na ingerência e tenho uma visão multipolar do mundo que é uma visão de respeito entra nações soberanas. Acho que intervir na Líbia em meio a uma guerra civil ultrapassava o mandato das Nações Unidas. Além do mais, é uma operação inútil, pois não vai colocar fim ao conflito, e, ao mesmo tempo, cara e inquietante pois, no
futuro, os países árabes poderão se voltar contra os países ocidentais. Quando a ONU se felicita e ninguém se ofusca pelo fato que o domicilio pessoal de Gaddafi foi bombardeado, que sua enteada foi assassinada, assim como 3 bebes de menos de 2 anos, eu me pergunto porque ? Talvez seja porque são bebes líbios ? Pra mim, a solução seria que os países árabes negociassem diplomaticamente a resolução desse conflito. A gente vê o que aconteceu no Iraque. O mínimo que se pode dizer é que a intervenção norte-americana não colocou fim ao problema iraquiano, muito pelo contrario.

A demissão de DSK abriu o debate sobre a sucessão na direção do FMI. A Sra. é favorável a que a direção do FMI seja também ocupada por países que não sejam europeus, como pede o Brasil, por exemplo?
Claro. Alias, eu defendo a supressão do FMI, então o que posso dizer é que me interesso menos pelo tema de quem deve dirigi-lo. Mas, já que tem que ser dirigido, não vejo porque a direção seja reservada aos europeus. A gente sabe bem que é um acordo passado com os Estados Unidos para que sejam sempre os mesmos que dirijam as grandes
instituições internacionais. Isso é um desprezo evidente pelos grandes continentes, que são hoje potências mundiais. Ninguém vê, por exemplo, que o Brasil se tornou hoje uma grande potência mundial. Fala-se muito da China, da Índia, mas não vemos o Brasil, que conseguiu um ajuste econômico espetacular e que aparece hoje como uma grande potência mundial.

Com um governo de esquerda...
Sim, com um governo de esquerda, é verdade. Mas é um governo que defendeu o direito de não estar sob tutela politica, principalmente da parte dos Estados Unidos. Que as relações sejam cordiais e equilibradas, que cada um defenda seus interesses, é perfeitamente legitimo. Alias é por isso que defendo uma Europa de nações e não essa estrutura totalitária em que nos engajamos. É a concepção de liberdade, de independência, de soberania e de interesse superior do povo brasileiro que faz com que o Brasil esteja onde esta. E isso independente de questões ligadas a direita ou esquerda. Acho que no mundo hoje o verdadeiro combate se da entre os que defendem a globalização e os que defendem o principio da soberania.

O Brasil, junto com o Mercosul, esta negociando um acordo de livre comercio com a União Europeia. A França disse ter reservas. A Sra se opõe a esse acordo?
Sim, acho que esse acordo vai matar definitivamente a agricultura francesa e como sou uma dirigente francesa penso, primeiro, nos interesses do meu pais. Isso não quer dizer que outros tipos de acordo não possam ser feitos. Sou a favor de um protecionismo consciente, inteligente, que, alias, já é feito por um certo numero de nações.

A Europa deve continuar a ajudar a Grécia e sob que condições?
Acho que não serve pra nada, é um trabalho de Sísifo. Estamos fazendo algo terrível, estamos esmagando um povo. Diminuímos os salários, as pensões, os levamos a vender seus patrimônios, e tudo isso para chegar aonde ? Porque sabemos que a Grécia esta em situação de falência. Estamos desamparando o pais e a população para que especuladores consigam ainda mais benefícios. Sou totalmente contra. É, alias, por isso que defendo a supressão do FMI, porque acho que o FMI participa da destruição desse povo. Hoje é a Grécia, amanhã será o Portugal, depois de amanhã, a Espanha.

Mas qual seria, então, a solução? A Grécia estava a beira da falência, a Sra. mesmo disse. O FMI e os países europeus deveriam ter virados às costas para esse pais ou as condições do empréstimo deveriam ter sido mais flexíveis?
A Grécia esta ainda mais em falência agora. As condições que foram impostas para o empréstimo foram tão terríveis que estão longe de permitir à Grécia que se recupere. Ao contrario, vão mergulhar o pais ainda mais na contração econômica. Acho que o euro esta morto. Chegamos ao fim do sistema. O euro foi uma moeda ruim. Quisemos dar o mesmo
medicamento para todos os doentes do hospital e, na verdade, tudo isso levou certos países a uma situação extremamente difícil. Todos os nossos países estão quebrando. A zona euro contribuiu para enfraquecer o organismo econômico europeu. O euro forte diminuiu nossa capacidade de exportação e a gente assiste, impotentes, a guerra de moedas entre a China e os Estados Unidos. Além do mais , o euro permitiu a um certo numero de países contrair
empréstimos a juros muito baixos. Então, incitamos um circulo vicioso e ao invés de incitar um circulo virtuoso. A única possibilidade para a Grécia é abandonar o Euro.

É essa, alias, a proposta que a Sra. também defende para a França. Mas o que a maioria dos economistas diz é que os custos de saída da zona euro serão mais elevados que os custos de manutenção na zona. Abandonar o euro traria, por exemplo, consequências drásticas para as finanças publicas e privadas. A desvalorização da moeda nacional faria explodir a divida publica e privada, que são indexadas em euros.
Acho que são argumentos totalmente falsos. Ha dezenas de economistas que têm uma visão diferentes, mas, evidentemente, eles estão menos presidentes nos meios de comunicação, pois a mídia é ideologicamente ligada ao euro. E quanto Nicolas Sarkozy diz 'vamos salvar o euro custe o que custar', me pergunto qual o preço a pagar. É essa a questão. Vários economistas dizem o contrario, que a saída do euro vai permitir oxigenar a economia, relançar as exportações. Queremos devolver ao Banco da França a prerrogativa de emprestar ao Tesouro. Assim, não estaremos mais totalmente nas mãos do mercado financeiro. Não ha outra solução. Muita gente diz que o que propomos é absurdo, mas não apresentam uma alternativa. A realidade é que o euro, que deveria ser uma moeda
para combater o dólar, não funcionou.

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