terça-feira, 31 de maio de 2011

Encontro com a História

BERLIM

Elas nasceram entre 1923 e 1937. Cinco senhoras que vivem na cidade de Colônia e seus arredores. De todas as pessoas que encontrei na Alemanha nestes três meses no país, foram elas as que me causaram maior impacto.
As cinco fazem parte da Zeitzeugen Börse de Colônia. A instituição, presente em várias outras cidades alemãs, reúne pessoas que vivenciaram aspectos importantes da história do país. Sempre que requisitadas, reúnem-se com estudantes, pesquisadores e jornalistas para relatar suas memórias.
A conversa não é remunerada. O dinheiro que patrocinadores colocam na instituição vai todo para a administração e a divulgação do grupo. O objetivo principal é usar a experiência dos mais velhos para conscientizar os mais novos.
Nosso encontro ocorreu em uma sala da prefeitura de Colônia. Além de mim, estavam presentes outros cinco jornalistas da América Latina (todos, como eu, bolsistas do IJP, fundação alemã que promove intercâmbios jornalísticos).
A conversa começou com uma pequena apresentação. Cada uma das senhoras falou seu nome, o ano de seu nascimento e algumas das lembranças mais marcantes que guardava do período nazista. Depois, ficaram à disposição para responder às nossas perguntas.
As horas passaram como minutos. Imersos naquela sala, ouvíamos com atenção as memórias da infância e da adolescência daquelas senhoras aprumadas. Fragmentos da vida cotidiana que, somados, dão ideia dos horrores de toda uma época.
Quase todas fizeram questão de deixar claro que suas famílias não apoiavam o regime nazista _ e, sinceramente, é difícil imaginar que topariam falar tão abertamente sobre o período se não fosse assim. Apesar disso, todas disseram conviver até hoje com a vergonha desse passado.
Uma contou que foi separada dos pais ainda nova e entregue a uma família do sul da Alemanha. Quando finalmente os reencontrou, anos mais tarde, eles eram como estranhos para ela.
Outra não entendia o silêncio que passou a ser a característica mais marcante de sua mãe no fim da guerra. Apenas décadas mais tarde, a mulher confidenciou à família ter sido vítima de um estupro cometido por soldados soviéticos.
Uma terceira lembra até hoje como era humilhada por professores e colegas por não fazer parte da Bund Deutscher Mädels, a organização hitlerista para as meninas alemãs. Os livros usados nas aulas sobre as diferenças raciais, em que a suposta superioridade ariana era propagandeada com ares de ciência, também estão vivos na sua memória.
Já a mais nova contou que a lembrança mais remota de sua vida era o dia em que, escondida em um porão para se proteger dos bombardeios, a casa desabou sobre ela. Por sorte, acabou sendo resgatada com vida. Muitos que estavam com ela, não.
Somado a tudo isso, a fome e o medo. Muitas se lembram de procurar nas ruínas ou no lixo algo para levar para casa. Outras se recordam do pavor de ver os vizinhos desparecerem sem ter a quem perguntar o que estava acontecendo.
Experiências que, passados mais de 65 anos do fim da guerra, elas não conseguem esquecer. E que, com seus relatos, não querem que os outros esqueçam.

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