segunda-feira, 18 de abril de 2011

Lições de Foucault

A evolução histórica da legislação penal e os respectivos métodos e meios coercitivos e punitivos adotados pelo poder público, ou seja, as táticas punitivas adotadas pelos Estados, ao longo da História da Humanidade, na repressão da delinqüência repousam em complexas normas disciplinadoras que estabelecem regras de convívio entre os indivíduos que a compõem.
O pensador e epistemólogo francês contemporâneo, Michel Foucault, conhecido por seus estudos críticos de várias instituições sociais, na obra Vigiar e Punir, aborda um grave problema que a sociedade humana e as autoridades públicas sempre tiveram de enfrentar: a criminalidade.
Desde tempos remotos organizou-se um sistema judiciário e coercitivo, julgado necessário e adequado para a defesa dos direitos privados e públicos, punindo de várias maneiras os que eram considerados agressores. Cada época criou suas próprias leis penais, instituindo e usando os mais variados processos punitivos, tais como: exilar, rechaçar, banir, expulsar para fora das fronteiras (sociedade grega); organizar uma compensação, impor um resgaste, converter o dano provocado em dívida a ser paga (sociedade germânica); expor, marcar, ferir, amputar, fazer uma cicatriz, deixar um sinal no rosto ou no ombro (sociedades ocidentais do final da Idade Média); enclausurar (nossas sociedades atuais).
A penalidade de enclausuramento tornou-se a forma geral de punição por delito na maioria das sociedades humanas contemporâneas. O Direito Penal, na atualidade, busca obedecer aos princípios do respeito à pessoa e liberdades humanas e tem como pressuposto básico a readaptação desses delinqüentes.
Contudo, a origem da organização da penalidade de enclausuramento, no exato momento em que era planejada e executada, constituía objeto de violentas críticas no que tange aos disfuncionamentos que a prisão podia induzir no sistema penal e na sociedade em geral: primeiro, a prisão impede o poder judiciário de controlar e verificar de modo eficiente a aplicação das penas; segundo, mistura os condenados, ao mesmo tempo, diferentes e isolados entre si, constitui uma comunidade homogênea de criminosos que se tornam solidários no enclausuramento e que permanecerão provavelmente após o cumprimento da pena. A prisão fabrica um verdadeiro exército de inimigos interiores; terceiro, os hábitos e a infâmia que marcam as pessoas que saem da prisão fazem com que sejam definitivamente fadadas à criminalidade. Logo, a prisão fabrica aqueles que essa mesma justiça mandará encarcerar, uma ou mais vezes.
Diante desse quadro de críticas, no início e que persiste até hoje mas com novas facetas, a instituição carcerária se consolidou, mesmo se mostrando frágil, em muitos países como, por exemplo, o Brasil.
O colapso do sistema carcerário brasileiro se evidencia a cada ano. Duas razões estruturais: superlotação nos presídios (cadeias públicas e penitenciárias) e os mecanismos legais do Judiciário aliado aos aparelhos repressivos do Estado que se mostram “rigorosos” na interpretação das leis penais em casos de menor gravidade que poderiam ser aplicadas penas alternativas.
O número de detentos aumenta a cada mês, cerca de 9 mil pessoas entram e 5,5 mil saem das prisões. Para suprir o déficit mensal de 3,5 mil vagas, o Brasil precisaria construir sete penitenciárias de 500 vagas a cada mês ao custo de R$ 15 milhões cada uma. Existem razões sérias para o investimento, no entanto, não há vontade e interesse político (os detentos não são eleitores, não possuem direitos políticos). Contudo, estima-se que no final do governo Lula, teremos 476 mil presos, e a conta (para sociedade civil) eliminar o déficit de vagas estará em R$ 3,3 bilhões.
Os presídios (penitenciárias e cadeias públicas) do Estado de São Paulo possuem aproximadamente 130 mil, a segunda maior população carcerária da América Latina, perdendo apenas para a cidade do México (177 mil). O quadro crítico do sistema carcerário de São Paulo se revelou com as rebeliões ocorridas nos dias 13, 14 e 15 de maio. Comandadas principalmente pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) e dispondo de meios eficientes para interligar a comunicação entre os presídios e os criminosos de fora e corrompendo os agentes públicos incumbidos da fiscalização e controle, o celular foi a ferramenta tecnológica utilizada para dar início as rebeliões.
Nesse cenário apontado, notamos que o sistema carcerário brasileiro está em grave colapso.
O tema é delicado, exige prudência, cautela, frieza e racionalidade, pois a presente temática envolve a sociedade num caleidoscópio de fortes sentimentos, emoções, interesses, valores de como deve ser a punição dada pelo Estado aos criminosos. Mas deve haver por parte do Poder Público, e principalmente da sociedade civil, consciência da violação dos direitos fundamentais da pessoa humana.
A evolução histórica do Direito Penal mostra o quanto às sociedades buscaram adotar medidas correcionais contra os criminosos repousadas em princípios humanitários, métodos de punição mais “humanos”, mas a questão está longe de uma solução e o debate merece profunda atenção.

José Renato Ferraz da Silveira.

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