sábado, 26 de fevereiro de 2011

Benghazi, 'capital' dos rebelados, vive dia eufórico

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A
BENGHAZI (LÍBIA)

As ruínas do quartel-general do Exército líbio em Benghazi, a cidade que deu início à revolta popular contra o regime de Muammar Gaddafi, viraram ponto de encontro de famílias e monumento à vitória contra o regime.
No amplo complexo militar ocorreram alguns dos confrontos mais violentos entre manifestantes e forças leais a Gaddafi, e ninguém conta em menos de 500 o número de mortos. Na cidade, o total estimado pelos moradores é de 1.200.
O médico Zakaria Alkatir é um dos que levaram os filhos para ver os destroços da base militar. Ele conta que estava de plantão num dos hospitais da cidade e recebeu dezenas de mortos e feridos a bala nos confrontos.
"Uma das salas do hospital tinha uma pilha de cadáveres", disse o médico. "Quando a poeira baixar e a verdade vier à tona, o mundo ficará horrorizado".
Perto dali, um tumulto se forma quando dezenas de jovens começam a cavar num ponto isolado do complexo.
Munidos de picaretas, marretas e pás, abrem um buraco no chão para livrar prisioneiros que o Exército colocou em masmorras concretadas. É possível ouvir suas vozes pelo pequeno orifício aberto a marretadas.
"Há 150 prisioneiros vivos aí", diz um dos jovens, logo depois de dar um tiro para o alto para conter a euforia.
Segunda maior cidade da Líbia, com cerca de 1 milhão de habitantes, Benghazi respira ares de uma nova era. Desde domingo sob o controle dos opositores, os moradores da cidade acompanham com aflição os desdobramentos da revolta na capital, Trípoli, mas sem perder a confiança de que o ditador está com os dias contados.
A debandada das forças de Gaddafi do leste do país é uma realidade, ainda que o controle da região pelas forças da oposição nem sempre seja visível.
Nos quase 500 km que separam Tobruk de Benghazi, as duas maiores cidades da região, a impressão é de uma terra de ninguém.


APOIO NAS RUAS
Se na estrada entre a fronteira egípcia e Tobruk a reportagem da Folha foi parada várias vezes em barreiras montadas por civis, no percurso até Benghazi praticamente não há ninguém.
Na chegada à cidade, o clima muda. Sob chuva intensa, centenas de pessoas estavam nas ruas para manifestar apoio à revolução.
"Não temos mais motivo para escolher outra palavra: esta é a nossa revolução", exulta o médico Khalifa Ilfaitury. Por toda a cidade alguém para a reportagem para explicar o que houve ou xingar Gaddafi.
O espírito revolucionário dá mostras de comprometimento e generosidade, que inclui ofertas de todo o tipo aos jornalistas estrangeiros.
"Precisamos ajudar a levar a verdade ao mundo", diz o empresário Salah Elghoul.
Táxis tornam-se irrelevantes, enquanto motoristas se oferecem para levar repórteres de graça.
A bandeira nacional de Gaddafi, toda verde (cor do islã), foi definitivamente trocada pelas cores da bandeira da independência da Líbia, em listas horizontais vermelha, preta e verde.
Um grande hotel de Benghazi, que costumava ser propriedade do regime, foi tomado pelos manifestantes.
Pelo lobby, circulam jovens vestidos com abrigos esportivos e levando fuzis a tiracolo. Rumores sobre o que acontece na parte do país ainda dominada por Gaddafi proliferam.
No fim da noite em Benghazi, Alla Benaziz, estudante de 24 anos cujo pai desertou do Exército líbio, chega com notícias "preocupantes" de Trípoli. Diz que um amigo viu mais de 300 tanques partirem da base onde está Gaddafi rumo ao sul da capital.
"Certamente o plano é matar o maior número possível de civis e acabar com a revolução", diz. "Mas eles não vão conseguir, nós vamos resistir", completa.

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